Amor Verdadeiro

– Não, não. Você não quer casar comigo porque me ama. Você quer casar comigo para não dizer que não conseguiu alguém, para você poder mostrar para as suas amigas que tem um homem, nada mais que isso.
– Eu juro, amor, que quero casar com você porque eu te amo.
– Mas logo eu, Priscila? Tem tantos caras bons por aí. Gente que não fuma, não bebe, não faz besteiras. Você é uma mulher bonita, morena, tem os olhos verdes, pode conseguir o homem que quiser. Por que eu?
– Não sei por que você. O que eu sei é que te amo, Guilherme, e quero você, quero ser sua mulher, sua esposa, a mãe de seus filhos.
– Agora você disse tudo. Você quer ser mãe, é isso e só isso. Você quer ter um homem para te levar nos finais de semana para a casa do seu pai e mostrar para todos os seus parentes que você conseguiu casar, que você não é como a maioria das suas irmãs, primas e tias, é isso.
– Não, não é isso, Guilherme. Eu quero casar com você porque eu te amo.
– Me ama?
– Muito.

– E se eu não puder te dar filhos? Você sabe, eu tenho apenas um coco no saco, o médico me disse que posso não ter filhos, e se eu não puder de dar uma criança, hein? Você vai querer ficar comigo mesmo assim?
– Por toda lei, eu vou.
– Olha, Priscila, eu fumo, e fumo um cigarro atrás do outro, e mesmo assim você ama um homem que fede à nicotina a metros de distância?
– Sim.
– Meu Cristo! Priscila, eu sou um sujeito nervoso. E se eu chegar um dia em casa, com raiva de todo mundo, do meu chefe, das pessoas que me olham feio na rua, das ofensas que me dizem por aí, e eu chegar em casa e quebrar tudo, bater em você? Você vai continuar comigo?
– Eu te amo.
– Me ama, me ama! Meu Deus do céu, como você pode amar um sujeito como eu? De vez em quando eu me injurio, abandono o emprego, deixo o chefe na mão, e fico meses em casa, sem fazer porra nenhuma, só na frente da televisão, tomando conhaque e fumando... Tem vez que estou tão revoltado que até pasta base eu fumo. Você sabe o que é isso, pasta base?
– Sei.
– Sabe mas não deve saber tudo. A pasta base é o lixo da cocaína. É uma droga dos Infernos. Foi o próprio demônio que a fez. Quem fuma, fica endemoniado, feio mesmo, e se eu fumar pasta base e querer dar uma surra em você, quebrar a casa inteira, mesmo assim você vai continuar casada comigo?
– Vou.
– Meu Deus. Eu não presto... Eu bebo, eu fumo, sou um porcaria. E se um dia der cirrose em mim e eu acabar doente, em cima da cama, sem poder trabalhar, sustentar a casa, você vai ficar comigo mesmo assim?
– Eu cuido de você.
– E a casa?
– Eu cuido da casa.
– Você é capaz de trabalhar fora?
– Sou capaz até de mendigar por você, amor.

– Meu Cristo. Eu fumo. Você vê o tanto que eu fumo. E sabe o que o cigarro dá? Dá câncer, Priscila. Vamos supor que eu tenha um câncer, uma enfisema pulmonar, e o meu pulmão estourar de repente, manchar o lençol da cama com sangue, você vai ficar ao meu lado? Não vai pular o fora?
– Jamais.
– Jamais?
– Nunca.

– Olha, eu bebo e fumo. E quem bebe e fuma pode ficar impotente, pode virar brocha. Você é capaz de ficar com um homem brocha dentro de casa? Você vai me amar mesmo se eu não der no couro?
– Eu quero casar com você, Guilherme.
– E se eu te botar chifres, hã? Mulher nenhuma gosta disto. Principalmente se o homem não consegue cumprir às obrigações dentro de casa. E se um dia eu estiver desempregado a um ano e ainda por cima botar um par de chifres bem grandes em sua cabeça, mesmo assim você vai continuar comigo? Vai, Priscila?
– Vou, eu já disse que vou, Guilherme!
– Mesmo se de repente eu for atropelado e ficar paraplégico?
– Mesmo.
– Mesmo se eu ficar em cima de uma cadeira de rodas?
– Mesmo.
– Mesmo se eu for preso, e você ter que ir me visitar lá na Penitenciária Máxima?
– Sim.
– Mesmo se eu resolver apostar tudo o que tivermos numa mesa de baralho?
– Mesmo.
– Você só pode ser uma louca!
– Sou louca sim, e por você, amor.

– E se eu me matar, hã? E se um dia eu quiser pegar uma faca bem afiada, com essa aqui, e cortar meus pulsos, hein? Você vai me respeitar se eu morrer? Vai ficar viúva para sempre, sem se casar de novo?
– Guarda essa faca, meu amor. Eu já te disse que te amo.
– Você me daria a sua orelha?
– Como assim?

– Certa vez ouvi a história de um homem que era pintor e amava uma mulher. Certa vez ele cortou a orelha, colocou numa caixa e deu de presente para a amada dele. Você seria capaz de fazer isso por mim?
– Seria.
– Toma aqui a faca. Corta ela e me dá. Vai, anda, eu estou mandando.
– Mas, amor, eu vou ficar feia, sem uma orelha.

– Não me importa a beleza. Vai, quero ver se você é capaz de provar que me ama. Corta a orelha.
– Certeza, amor?
– Toda.

– Então está bem. Vou cortá-la. Aí, dói, mas eu vou cortá-la. Eu corto a minha orelha e te dou. Aqui, mas está doendo...
– Coragem!
– Ai!

– Pára, pára, está bom, Priscila. Você já provou que me ama. Daqui essa faca. Vou guardá-la. Vou me casar com você. Você é a mulher da minha vida. Não me recusaste a tua orelha. Você é minha. Não vou te dizer que te amo, porque estaria mentindo, o amor não existe. O quê existe é apego. Vou me deixar apegar a você, Priscila, e vou me casar. E sabe esta carteira de cigarro? Vou jogá-la no lixo! Não coloco um maldito deste na boca, muito menos pasta-base. Não quero. Nem conhaque. Cadê a garrafa? Vou jogá-la fora. Pronto, joguei. Estou limpo. Cigarro nenhum vai estourar o meu pulmão, cachaça nenhuma vai desgraçar o meu fígado. Também não quero mais saber de jogo. Daqui para frente serei um homem de bem, bonzinho. Você vai me querer mesmo assim, Priscila? Bonzinho?
– Já te disse, meu amor. Eu quero você do jeito que for...
Glauber da Rocha.
 glauberdarocha@otmail.com

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